segunda-feira, 25 de julho de 2016

Excertos de Kardec: Poesia sobre a prece

A Revista Espírita também tinha lugar para a arte. Além de haver considerações sobre o assunto, vez ou outra aparecia lá alguma poesia, fosse ela mediúnica ou não.



Um dos nossos correspondentes de Lyon nos dirige o seguinte trecho de poesia. Ele entra muito no espírito da Doutrina Espírita para que nos furtemos ao prazer de lhe abrir espaço em nossa Revista. 
JOLY


A PRECE

Que eu não posso, mortais, com meus fracos acentos
Dar-vos ao coração o mais sublime incenso!
Ensinar-vos aqui, no colher desta messe
O que é a prece em si mesma e o que é fazer a prece.
É um impulso de amor, de fluídico ardor
Que se escapa da alma e se eleva ao Senhor.
Sublimada expansão da humilde criatura
Que retorna à sua fonte e eleva a sua natura!
Orar não muda em nada a lei do Pai Eterno
Sempre imutável, mas o coração paterno
Derrama o seu influxo no que o implora
E assim redobra o ardor do fogo que o devora.
É então que ele se sente crescer e elevar
E pelo amor do próximo o peito pulsar.
Mais se expande no amor, mais o sublime Ser
Enche-lhe o coração com os dons do saber.
Desde então, santo anseio de orar pelos mortos,
Sob o peso da dor e pungentes remorsos,
Nos mostra as exigências do seu novo estado,
De a eles dirigir seu fluido suavizado,
Cuja eficácia, bálsamo consolador,
Penetra-lhes no ser como um libertador.
Tudo neles se anima; um raio de esperança
Ajuda-lhes o esforço, à liberdade os lança.
Assim como aos mortais vencidos pelo mal
Que um bálsamo supremo devolve ao normal,
Eles se regeneram pelo impulso oculto
De augusta prece, ardente, e seu divino culto.
Redobremos o ardor; nada se perde enfim;
Preces, preces por eles, preces até o fim;
A prece, sempre a prece, essa estrela divina
Faz-se foco de amor e no final domina.
Oremos pelos mortos, sim, e logo por
Sua vez nos lançarão doce raio de amor.

Nestes versos, evidentemente inspirados por um Espírito elevado, o objetivo e os efeitos da prece são definidos com perfeita exatidão. Certamente Deus não derroga suas leis a pedido nosso, pois seria a negação de um de seus atributos, que é a imutabilidade; mas a prece age, principalmente sobre aquele que é seu objeto; é, a princípio, um testemunho de simpatia e de comiseração que se lhe dá e que, por isso mesmo, lhe faz sentir sua pena menos pesada. Em segundo lugar, tem por efeito ativo excitar o Espírito ao arrependimento de suas faltas e inspirar-lhe o desejo de repará-las pela prática do bem. Deus disse: “A cada um segundo as suas obras”. Esta lei, eminentemente justa, põe a sorte em nossas próprias mãos e tem como consequência subordinar a duração da pena à duração da impenitência. Daí se segue que a pena seria eterna, se eterna fosse a impenitência. Assim, se, pela ação moral da prece, provocarmos o arrependimento e a reparação voluntária, por ela mesma abreviaremos o tempo de expiação. Tudo isto está perfeitamente claro nos versos acima. Esta doutrina pode não ser muito ortodoxa aos olhos dos que creem num Deus impiedoso, surdo à voz que implora, e que condena a torturas sem fim suas próprias criaturas por faltas numa vida passageira; mas convir-se-á que ela é a mais lógica e mais conforme à verdadeira justiça e à bondade de Deus. Tudo nos diz, a religião como a razão, que Deus é infinitamente bom. Com o dogma do fogo eterno, é preciso ajuntar que ele é, ao mesmo tempo, infinitamente impiedoso, dois atributos que se destroem reciprocamente, pois um é a negação do outro. Aliás, o número dos partidários da eternidade das penas diminui dia a dia, o que é um fato positivo e incontestável. Em breve estará tão restrito que poderão ser contados, e mesmo que desde hoje a Igreja taxasse de heresia e, consequentemente, rejeitasse de seu seio todos quantos não creem nas penas eternas, entre os católicos haveria mais heréticos do que verdadeiros crentes e seria necessário condenar, ao mesmo tempo, todos os eclesiásticos e teólogos que, como nós, interpretam essas palavras num sentido relativo e não absoluto.


Referência:

A. Kardec. Revista Espírita, junho de 1861. Disponível em 
http://ipeak.net/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=5077&idioma=1&f=. Acesso em 25/07/2016.
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terça-feira, 19 de julho de 2016

Excertos de Kardec: Baltazar, o Espírito gastrônomo

Afinal, os Espíritos comem? O artigo a seguir traz ensinamentos e explica questões que podem remover a ideia que se pode fazer sobre alimentação de desencarnados.




Baltazar, o Espírito gastrônomo


(SOCIEDADE, 19 DE OUTUBRO DE 1860)

Numa reunião espírita particular apresentou-se espontaneamente um Espírito, sob o nome de Baltazar, e ditou a seguinte frase por meio de batidas:
“Gosto da boa mesa e das mulheres; viva o melão e a lagosta, o café e o licor!”
Pareceu-nos que tais disposições de um habitante do outro mundo poderia dar lugar a um estudo sério, do qual poderíamos tirar um ensinamento instrutivo sobre as faculdades e sensações de certos Espíritos. A nosso ver, era um interessante objeto de observação que se apresentava por si mesmo, ou, melhor ainda, que talvez tivesse sido enviado pelos Espíritos elevados, desejosos de nos fornecerem meios de instrução. Seríamos culpados se não o aproveitássemos. É evidente que aquela frase burlesca revela, da parte do Espírito, uma natureza muito especial, cujo estudo pode lançar uma nova luz sobre o que podemos chamar a fisiologia do mundo espírita.
Eis por que a Sociedade julgou dever evocá-lo, não por um motivo fútil, mas na esperança de encontrar um novo assunto para instrução.
Certas pessoas creem que só se pode aprender com o Espírito dos grandes homens. É um erro. Sem dúvida só os Espíritos de escol nos podem dar lições de alta filosofia teórica, mas o conhecimento do estado real do mundo invisível não é para nós menos importante. Pelo estudo de alguns Espíritos, surpreendemos, de certo modo, a natureza em flagrante. É vendo as chagas que podemos encontrar o meio de curá-las. Como nos daríamos conta das penas e dos sofrimentos da vida futura, se não tivéssemos visto Espíritos infelizes? Por eles compreendemos que se pode sofrer muito sem estar no fogo e nas torturas materiais do Inferno, e esta convicção, dada pelo espetáculo da ralé da vida espírita, não é uma das causas que menos contribuíram para atrair partidários à Doutrina.
1. Evocação:
─ Meus amigos, eis-me aqui, diante de uma grande mesa, mas ah! Está vazia!
2. ─ Esta mesa está vazia, é certo; mas quereis dizer-nos de que vos serviria se estivesse carregada de alimentos? Que faríeis deles?
─ Sentiria o seu aroma, como outrora lhes saboreava o gosto.

OBSERVAÇÃO: Esta resposta é todo um ensinamento. Sabemos que os Espíritos têm as nossas sensações e percebem os odores tão bem quanto os sons. Não podendo comer, um Espírito material e sensual se repasta da emanação dos alimentos; saboreia-os pelo olfato, como em vida o fazia pelo paladar. Há, pois, algo de material em seu prazer; mas como, na verdade, há mais desejo do que realidade, este mesmo prazer, aguilhoando os desejos, torna-se um suplício para os Espíritos inferiores, que ainda conservaram as paixões humanas.

3. ─ Falemos muito seriamente, peço-vos. Nosso propósito não é brincar, mas de nos instruirmos. Tende a bondade de responder seriamente às nossas perguntas e, se for necessário, servi-vos da assistência de um Espírito esclarecido. Tendes um corpo fluídico, bem o sabemos. Mas dizei, nesse corpo há um estômago?
─ Estômago também fluídico, onde só os aromas podem passar.
4 ─ Quando vedes comidas apetitosas, sentis desejo de comer?
─ Ah! Comer! Eu não posso mais. Para mim, esses alimentos são o que são as flores para vós: cheirais, mas não comeis. Isto vos contenta. Pois então! Também eu fico contente.
5. ─ Sentis prazer vendo os outros comerem?
─ Muito, quando estou perto.
6. ─ Sentis necessidade de comer e beber? Notai que dizemos necessidade; há pouco havíamos dito desejo, o que não é a mesma coisa.
─ Necessidade, não; mas desejo, sim, sempre!
7. ─ Esse desejo fica plenamente satisfeito pelo cheiro que aspirais? É a mesma coisa que se realmente comêsseis?
─ É como se eu vos perguntasse se a vista de um objeto que desejais ardentemente vos substitui a posse desse objeto.
8. ─ Assim, parece que o desejo que experimentais deve ser um verdadeiro suplício, pois não há prazer real...
─ Suplício maior do que pensais. Mas eu procuro atordoar-me, criando-me a ilusão.
9. ─ Vosso estado nos parece muito material. Dizei-nos: dormis algumas vezes?
─ Não. Gosto de rodar um pouco por toda parte.
10. ─ O tempo vos parece longo? Por vezes vos aborreceis?
─ Não. Eu percorro as feiras e os mercados; vou ver chegar a pescaria e com isto me ocupo muito bem.
11. ─ Que fazíeis quando na Terra?

Nota: Alguém diz que sem dúvida era cozinheiro.

─ Apreciador da boa mesa, não glutão. Advogado, filho de gastrônomo, neto de gastrônomo. Meus pais eramfermiers généraux. (Financistas que na antiga monarquia tinham o direito de cobrar impostos, mediante o pagamento de certa quantia fixa ao Tesouro).

Respondendo à reflexão precedente, o Espírito acrescenta:

─ “Bem vês que eu não era cozinheiro e que não te convidaria para os meus almoços, pois não sabes comer nem beber.”
12. ─ Há muito tempo que estais morto?
─ Morri há uns trinta anos, com oitenta de idade.
13. ─ Vedes outros Espíritos mais felizes do que vós?
─ Sim. Vejo alguns cuja felicidade consiste em louvar a Deus. Ainda não conheço isto. Meus pensamentos roçam pela Terra.
14. ─ Compreendeis as causas que os tornam mais felizes do que vós?
─ Eu ainda não as aprecio, como aquele que não sabe o que é um prato refinado e não o aprecia. Talvez chegue a isso. Adeus. Vou à procura de um jantarzinho muito delicado e muito suculento.
BALTAZAR

OBSERVAÇÃO: Este Espírito é um verdadeiro fenômeno. Ele faz parte dessa classe numerosa de seres invisíveis que não se elevaram em nada acima da condição da Humanidade. Só tem de menos o corpo material, mas as suas ideias são exatamente as mesmas. Este não é um mau Espírito. Ele não tem contra si senão a sensualidade, que, ao mesmo tempo, é para ele um suplício e um gozo. Como Espírito, não é, pois, muito infeliz; é até feliz ao seu modo. Mas Deus sabe o que o espera em nova existência! Uma triste volta poderá fazê-lo bem refletir e desenvolver o senso moral, ainda abafado pela preponderância dos sentidos.


Referência:

A. Kardec. Revista Espírita, novembro de 1860. Disponível em http://ipeak.net/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=4859&idioma=1&f=. Acesso em 19/07/2016.
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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Excertos de Kardec: transição planetária e o princípio da não retrogradação

A partir de fevereiro de 1860, os Boletins da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas passaram a ser publicados em suplemento da Revista. Ainda assim será colocado como referência, além do fato de pertencer ao Boletim,  o ano e o mês da Revista Espírita com a qual eles tiverem sido disponibilizados.



"4.º ─ Leitura de uma comunicação de Lyon, dirigida à Sociedade, na qual, entre outras coisas, é dito o seguinte:
Que a reforma da Humanidade se prepara pela encarnação na Terra de Espíritos melhores, que constituirão uma nova geração, dominada pelo amor do bem; que os homens votados ao mal e que fecham os olhos à luz serão reencarnados numa nova falange de Espíritos simples e ignorantes, e enviados por Deus ao trabalho da formação de um mundo inferior à Terra. Não poderão encontrar-se com seus irmãos terrícolas senão depois que, através de rudes trabalhos, houverem alcançado o nível em que estes últimos vão entrar, após esta geração, porque aos Espíritos maus não será dado assistir ao começo desta brilhante transformação.

O Sr. Theubet observa que esta comunicação parece consagrar o princípio de uma marcha retrógrada, contrariando tudo quanto foi ensinado.

A respeito, trava-se longa e profunda discussão. Ela assim se resume: O Espírito pode decair como posição, mas não quanto às aptidões adquiridas. O princípio da não retrogradação deve entender-se do progresso intelectual e moral, isto é, que o Espírito não pode perder o que adquiriu em inteligência e moralidade e não volta ao estado de infância espiritual. Por outras palavras, nem se torna mais ignorante nem pior do que era, o que o não impede de reencarnar-se numa posição inferior mais penosa e entre Espíritos mais ignorantes que ele, se o mereceu. Um Espírito muito atrasado que se reencarnasse num povo civilizado, aí estaria deslocado e não poderia manter a sua classe. Voltando para junto dos selvagens, em nova existência, apenas retomaria o lugar que havia deixado demasiado cedo, mas as ideias que tenha adquirido durante a passagem entre os homens mais esclarecidos não estarão perdidas para ele. O mesmo deve se dar com os homens que irão concorrer para a formação de um mundo novo. Encontrando-se deslocados na Terra melhorada, irão para um mundo compatível com seu estado moral."


Referência:
A. Kardec. Revista Espírita, fevereiro de 1860, Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Disponível em http://ipeak.net/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=2787&idioma=1&f=. Acesso em 08/07/2016



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quinta-feira, 7 de julho de 2016

Excertos de Kardec: Efeitos da prece (Revista Espírita de dezembro de 1859)

Segue o artigo na íntegra, muito bom e bem explicativo.

No word o alinhamento dos parágrafos está certinho. Passando para o Blog fica diferente, e este não tem algo como a função da tecla "TAB" no word (comentário válido para qualquer outro post).




Efeitos da Prece

            Um de nossos assinantes nos escreve de Lausanne:

            “Há mais de quinze anos professo em grande parte aquilo que vossa ciência espírita ensina hoje. A leitura de vossas obras não faz senão reforçar esta crença. Além disso, traz-me grandes consolações e lança uma viva claridade sobre uma parte que para mim era treva. Embora muito convencido de que minha existência deve ser múltipla, eu não sabia explicar em que se tornaria meu Espírito nesses intervalos. Mil vezes obrigado, senhor, por me haverdes iniciado nesses grandes mistérios, indicando-me a única rota a seguir para ganhar um lugar melhor no outro mundo. Abristes meu coração à esperança e duplicastes a minha coragem para suportar as provas deste mundo. Vinde, pois, senhor, em meu auxílio, a fim de esclarecer uma verdade que me interessa em alto grau. Sou protestante e em nossa igreja jamais se ora pelos mortos, posto que o Evangelho não o ensina. Como dizeis, os Espíritos que evocais freqüentemente pedem o auxílio de vossas preces. Será porque estejam ainda sob a influência das idéias adquiridas na Terra, ou levará Deus em conta a prece dos vivos para abreviar o sofrimento dos mortos? Essa questão, senhor, é muito importante para mim e para outros correligionários meus, que contraíram alianças católicas. A fim de ter uma resposta satisfatória, creio, seria necessário que o Espírito de um protestante esclarecido, tal como um dos nossos ministros, se dignasse manifestar-se em companhia de um dos vossos eclesiásticos.

            ” A pergunta é dupla: 1º A prece é agradável àqueles por quem se ora? 2º É-lhes útil? Ouçamos, de início, sobre a primeira pergunta o reverendo padre Félix, numa introdução notável a um pequeno livro intitulado: Os mortos sofredores e abandonados.

            “A devoção para com os mortos não é apenas a expressão de um dogma e a manifestação de uma crença, mas, também, um encanto da vida, um consolo para o coração. Que há, com efeito, de mais suave ao coração do que esse culto piedoso que nos liga à memória e ao sofrimento dos mortos? Crer na eficácia da prece e das boas obras para o alívio dos que perdemos; crer, quando os choramos, que essas lágrimas que por eles derramamos ainda lhes podem auxiliar; crer, finalmente, que mesmo nesse mundo invisível que habitam nosso amor pode ainda visitá-los em seu benefício: que doce, que suave crença! E nessa crença, que consolação para aqueles que viram a morte entrar em sua casa e feri-los no coração! Se esta crença e este culto não existissem, o coração humano, pela voz de seus mais nobres instintos, diria a todos que o compreendem, que seria necessário inventá-los, fosse ainda para imprimir doçura na morte e encanto até nos nossos funerais. Nada, com efeito, transforma e transfigura o amor que ora sobre um túmulo ou chora nos funerais, como essa devoção à lembrança e ao sofrimento dos mortos. Essa mistura da religião e da dor, da prece e do amor têm, ao mesmo tempo, um não sei quê de precioso e de enternecedor. A tristeza que chora torna-se um auxiliar da piedade que ora; por sua vez, a piedade se torna, para a tristeza, o mais delicioso aroma; e a fé, a esperança e a caridade jamais se associam melhor para honrar a Deus consolando os homens e fazendo do alívio aos mortos a consolação dos vivos!

            “Esse encanto tão suave que encontramos em nosso intercâmbio fraterno com os mortos, como se torna ainda mais doce quando nos persuadimos de que, sem dúvida, Deus não deixa esses entes queridos absolutamente ignorantes do bem que lhes fazemos. Quem não desejou, ao orar por um pai ou um irmão falecido, que ele ali estivesse para escutar, e, ao fazer por ele os seus votos, ali estivesse para ver? Quem não disse a si mesmo, ao enxugar uma lágrima junto ao caixão de um parente ou de um amigo perdido: Se ao menos ele pudesse ouvir-me! quando meu amor lhe oferece com as lágrimas a prece e o sacrifício, se eu tivesse a certeza de que ele o sabe e que seu amor compreende sempre o meu!Sim, se eu pudesse crer que não somente o alívio que lhe envio chega até ele, mas se também pudesse convencer-me de que Deus se digna enviar um de seus anjos para lhe contar, ao levar-lhe meu benefício, que esse alívio vem de mim: oh! Deus, como sois bom para os que choram, que bálsamo em minhas chagas! que consolo em minha dor!

            “A Igreja, é verdade, não nos obriga a crer que os nossos irmãos falecidos saibam, no purgatório, o que por eles fazemos na Terra, mas também não o proíbe; ela o insinua e parece convencer-nos pelo conjunto de seu culto e de suas cerimônias; e homens sérios e respeitáveis da Igreja não receiam em afirmá-lo. Seja como for, aliás, se os mortos não têm o conhecimento presente e distinto das preces e das boas obras que por eles fazemos, é certo que experimentam seus efeitos salutares. E esta crença firme não basta a um amor que deseja consolar-se da dor através do benefício e fecundar as lágrimas pelos sacrifícios?”

            O que o padre Félix admite como hipótese, a ciência espírita aceita como verdade incontestável, porque dá a sua prova patente. Sabemos, com efeito, que o mundo invisível é composto daqueles que deixaram seu envoltório corporal, ou, por outras palavras, das almas dos que viveram na Terra. Essas almas, ou esses Espíritos – o que vem a ser a mesma coisa – povoam o espaço; estão em toda parte, ao nosso lado como nas regiões mais afastadas; desembaraçados do fardo pesado e incômodo que os retinha à superfície do solo, não possuindo senão um envoltório etéreo, semimaterial, transportam-se com a rapidez do pensamento. Prova a experiência que eles podem vir ao nosso apelo; mas vêm mais ou menos de boa vontade, com maior ou menor prazer, conforme a intenção, como é fácil de conceber. A prece é um pensamento, um laço que nos liga a eles: é um apelo, uma verdadeira evocação. Ora, como a prece, seja ou não eficaz, é sempre um pensamento benévolo, só pode ser agradável àqueles a quem se dirige. Ser-lhes-á útil? Esta é uma outra questão.

            Os que contestam a eficácia da prece dizem: Os desígnios de Deus são imutáveis e ele não os derroga a pedido do homem. Isto depende do objeto da prece, porquanto é muito certo que Deus não pode infringir suas leis a fim de satisfazer a todos os pedidos inconsiderados que lhe são dirigidos. Encaremo-la apenas do ponto de vista do alívio das almas sofredoras. Inicialmente diremos que, admitindo que a duração efetiva dos sofrimentos não possa ser abreviada, a comiseração e a simpatia são um abrandamento para aquele que sofre. Se um prisioneiro for condenado a vinte anos de prisão, não sofrerá mil vezes mais se estiver só, isolado e abandonado? Mas se uma alma caridosa e compassiva vier visitá-lo, consolá-lo e encorajá-lo, não terá o poder de quebrar suas cadeias antes do tempo previsto, não as tornará menos pesadas e os anos não parecerão mais curtos? Quem na Terra não encontra na compaixão um alívio às suas misérias, um consolo nas expansões da amizade?

            Podem as preces abreviar os sofrimentos? O Espiritismo diz: Sim; e o prova pelo raciocínio e pela experiência. Pela experiência, porque são as próprias almas sofredoras que vêm confirmá-lo, descrevendo-nos a sua mudança de situação; pelo raciocínio, considerando o seu modo de ação.

            As comunicações ininterruptas que temos com os seres de além-túmulo fazem passar aos nossos olhos todos os graus do sofrimento e da felicidade. Vemos, pois, seres infelizes, horrivelmente infelizes; e, se de acordo com um grande número de teólogos, o Espiritismo não admite o fogo senão como uma figura, como um símbolo das maiores dores, numa palavra, como um fogo moral, é preciso convir que a situação de alguns não é muito melhor do que se estivessem no fogo material. O estado feliz ou infeliz após a morte não é, pois, uma quimera, um verdadeiro fantasma. Mas o Espiritismo nos ensina ainda que a duração do sofrimento depende, até certo ponto, da vontade do Espírito, podendo ele abreviá-lo pelos esforços que fizer por melhorar-se. A prece – refiro-me à prece real, a do coração, a que é ditada pela verdadeira caridade – incita o Espírito ao arrependimento, desenvolve-lhe bons sentimentos. Ela o esclarece e o faz compreender a felicidade dos que lhe são superiores; impele-o a fazer o bem, a tornar-se útil, já que os Espíritos podem fazer o bem e o mal. De certa modo ela o tira do desânimo em que se entorpece. Fá-lo entrever a luz. Por seus esforços pode, pois, sair do lamaçal em que está preso. É assim que a mão protetora que lhe estendemos pode abreviar-lhe os sofrimentos.

            Pergunta nosso assinante se os Espíritos que solicitam preces não estariam ainda sob a influência das idéias terrestres. A isto respondemos que entre os Espíritos que se comunicam conosco há os que, em vida, professaram todos os cultos. Todos eles, católicos, protestantes, judeus, muçulmanos e budistas, à pergunta: “Que podemos fazer para vos ser útil?”, respondem: “Orai por mim.” – Uma prece, segundo o rito que professastes, será para vós mais útil ou mais agradável? – “O rito é a forma; a prece do coração não tem rito.” Nossos leitores certamente se recordam da evocação de uma viúva do Malabar, inserida na Revista de dezembro de 1858. Quando lhe dissemos: “Pedis que oremos por vós; como somos cristãos, nossas preces vos poderiam ser agradáveis?” Ela respondeu: “Não há senão um Deus para todos os homens.”

            Os Espíritos sofredores ligam-se aos que oram por eles, como o ser reconhecido àquele que lhe faz bem. Essa mesma viúva do Malabar compareceu várias vezes às nossas reuniões sem ser chamada; dizia vir para instruir-se. Acompanhava-nos até mesmo na rua, conforme constatamos com o auxílio de um médium vidente. O assassino Lemaire, cuja evocação relatamos no número do mês de março de 1858, evocação que, diga-se de passagem, tinha excitado a verve trocista de alguns cépticos, esse mesmo assassino, infeliz, abandonado, encontrou em um de nossos leitores um coração compassivo, que teve piedade dele; muitas vezes veio visitá-lo e procurou manifestar-se por todos os tipos e meios até que essa pessoa, tendo tido ocasião de esclarecer-se sobre essas manifestações, soube que era Lemaire, que lhe queria testemunhar o seu reconhecimento. Quanto teve oportunidade de externar seu pensamento, disse-lhe: “Obrigado, alma caridosa! Eu me achava só com os remorsos de minha vida passada e tivestes piedade de mim; estava abandonado e pensastes em mim; encontrava-me no abismo e me estendestes a mão! Vossas preces foram para mim como um bálsamo consolador; compreendi a enormidade de meus crimes e peço a Deus que me conceda a graça de os reparar em uma nova existência, onde possa fazer tanto bem quanto fiz de mal. Obrigado outra vez, muito obrigado!”

            Eis a opinião atual de um ilustre ministro protestante, o Sr. Adolphe Monod, morto em abril de 1856, sobre os efeitos da prece:

            “O Cristo disse aos homens: Amai-vos uns aos outros. Essa recomendação encerra a de empregar todos os meios possíveis para testemunhar afeição aos nossos semelhantes, sem por isso entrar em detalhes quanto à maneira de atingir esse objetivo. Se é verdade que nada pode desviar o Criador de aplicar a justiça, de que ele próprio é modelo, a todas as ações do Espírito, não é menos verdade que a prece que lhe dirigis, em favor daquele por quem vos interessais, é para este último um testemunho da lembrança que não poderá senão contribuir para aliviar-lhe os sofrimentos e o consolar. Desde que testemunha o menor arrependimento, então é socorrido; mas não lhe deixam jamais ignorar que uma alma simpática dele se ocupou. Esse pensamento o incita ao arrependimento e o deixa na doce persuasão de que a sua intercessão lhe foi útil. Disso resulta, necessariamente, de sua parte, um sentimento de reconhecimento e de afeto por aquele que lhe deu esta prova de consideração e de piedade. Conseqüentemente, o amor recomendado pelo Cristo aos homens não fez senão crescer entre eles; ambos obedeceram à lei de amor e de união entre todos os seres, lei de Deus que deve conduzir à unidade, que é a finalidade do Espírito.”

            – Nada tendes a acrescentar a estas explicações?
            Resp. – Não; elas encerram tudo.

            – Agradeço-vos por haverdes por bem no-las transmitir.


            Resp. – Para mim é uma felicidade poder contribuir para a união das almas, união que os Espíritos bons procuram fazer prevalecer sobre todas as questões de dogma que as dividem.



Referência:
A. Kardec. Revista Espírita, dezembro de 1859. Editora FEB
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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Explicações por Kardec: médium intuitivo e médium mecânico

Pequena explicação dada por Allan Kardec na Revista Espírita de outubro de 1859 sobre a diferença da ação do Espírito no médium mecânico e no médium intuitivo, com um enfoque no último. Para maiores explicações sobre os fenômenos, sempre recomenda-se a leitura de O Livro dos Médiuns.

"No médium intuitivo o Espírito age sobre o cérebro, transmitindo através do sistema
nervoso o movimento ao braço, e assim por diante. O médium mecânico escreve sem ter a menor consciência daquilo que produz. O ato precede o pensamento. No médium intuitivo, o pensamento acompanha o ato e por vezes o precede. É, portanto, o pensamento do Espírito que atravessa o cérebro do médium, e se por vezes parece que se confundem, sua independência não é menos manifesta quando, por exemplo, o médium escreve, mesmo por intuição, coisas que não pode saber, ou inteiramente contrárias às suas ideias, à sua maneira de ver, às suas próprias convicções. Numa palavra, quando ele pensa branco e escreve preto. Além disto, há tantos fatos espontâneos e imprevistos, que não é possível a dúvida naqueles que os observaram." (grifos nossos)


Reparem que mesmo quando o médium é intuitivo, a independência entre o pensamento dele e o do Espírito comunicante pode ficar clara.

Dúvidas? Comentários? Podem colocar.

Abraço


Referência:


A.Kardec. Revista Espírita, dezembro de 1864, Médiuns inertes. Disponível em http://ipeak.net/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=2733&idioma=1&f=. Acesso em 06/07/2016
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