sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Evolução do Espiritismo (?)

Como sempre, texto aberto para discussão e ideias, e críticas.



Evolução do Espiritismo (?)

            Muito se fala e divulga do progressismo da Doutrina Espírita, mas será que realmente estamos prontos para admitir que Kardec se equivocou em algum ponto?
            O professor Rivail[1], em A Gênese, capítulo I, item 55, diz:


"Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará."[2] (grifo nosso)


         Inclusive, ele próprio, na obra citada, corrige um ponto de vista adotado e colocado de forma expressa em O Livro dos Médiuns, no tocante ao assunto "possessão", uma vez que diz que não somente ela existe, o que antes havia sido negado[3], como ainda afirma e explica o fenômeno, trazendo um novo aspecto, que é a do bem, quando realizada por um espírito bom, conforme o trecho a seguir (Cap. XIV item 48):


"Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do corpo de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria seu fato a outro encarnado. Isso se verifica sem qualquer perturbação ou incômodo, durante o tempo em que o Espírito encarnado se acha em liberdade, como no estado de emancipação, conservando-se este último ao lado do seu substituto para ouvi-lo."[2] (grifos nossos)


            Pois bem: mais de um século e meio se passou, a ciência evoluiu enormemente, a sociedade dos anos 2000 se tornou totalmente diferente da França daqueles tempos, o movimento espírita espalhou-se por todo o Brasil e o desafio é: como olhar para o Pentateuco, estrutura sólida como o é, bem como as obras subsidiárias já aceitas e não as deixar dogmáticas.
            É muito bonito dizer que no Consolador Prometido há debate, que podem ser feitos questionamentos, mas quanto isso é realizado na prática? Quantas pessoas que simplesmente discordam de determinados pontos, seja de forma fundamentada ou por ser novata, são realmente ouvidas, e não tratadas com impaciência, intolerância ou, desculpem a grosseria, um certo desprezo escondido? Quantas são silenciadas ou não voltam à casa por terem escutado que algo era de determinada forma mas, ao contra-argumentarem, obtiveram não exatamente essas, mas respostas que lembram o "mas é assim", ou então "fulano disse".
            Isso cria uma demanda urgente no preparo e sobretudo na humildade para aqueles que conduzem uma reunião ou são abordados para tirar dúvidas, dizerem que não sabem, mas que irá procurar, ou mesmo sugerir que aquele que pergunta o faça, lhe dando obras de referência e deixando pesquisar na internet, trazendo o material obtido para ser avaliado e comentado (percebem o quão acolhida a pessoa pode se sentir com esse tipo de atitude?).   
            Deve-se sim respeitar a coerência doutrinária, mas ainda que seja sobre um dos pontos mais básicos da doutrina, como reencarnação ou pluralidade dos mundos habitados, a abertura ao debate deve ser permanente. Inclusive, peço licença nesse momento para relatar o que me aconteceu logo que entrei no primeiro grupo de estudos de O Livro dos Espíritos que fiz parte: a reunião tinha duração de 1 hora, e a "travei" por 30 minutos, até entender por que o véu do esquecimento é justo. Graças a Deus, fui bem tratado, tiveram paciência e ninguém se exaltou, sendo solícitos para que eu entendesse o tema.
            O Cristo veio para todos, e consideramos a Doutrina dos Espíritos como o Cristianismo Redivivo, através da fé raciocinada apregoada claramente em toda ela. Portanto, deve-se acolher todos os corações e inteligências que de boa-fé a buscarem, sem correr o risco de se fechar em círculos de pontos inquestionáveis. A pior atitude que podemos ter para com a Boa Nova é o seu engessamento.
            Não se enganem, sou um profundo admirador do codificador e procuro estudar e me aprofundar em sua obra e biografia. Quanto mais leio a Revista Espírita, mais vejo sua genialidade e sua humildade, e sei que devido a estes mesmos fatos, juntamente com seu nobre e magnífico trabalho, uma quantidade enorme de pontos já estão mais que sólidos e é praticamente impossível contestar de forma bem explicada. Entretanto, ao que me oponho aqui é não permitir que a indagação, as perguntas sejam feitas.
            Existem também as novas realidades, as quais não se tinha como serem relatadas 158 anos atrás, nem mesmo nas obras do início e meados do século XX, pelo fato de tão somente não existirem. Um exemplo claro disso é a nomofobia (com N mesmo). Kardec já desencarnou, então tais assuntos não serão abordados por que não foram colocados na codificação?
            Por fim, o próprio professor Hippolyte previa o infinito de possibilidades da obra que ajudou a organizar, inclusive aconselhando como proceder com o avanço:


"Não esqueçamos que o Espiritismo não está acabado; ainda não fez senão fincar balizas. Mas, para avançar com segurança, deve fazê-lo gradualmente, à medida que o terreno estiver preparado para o receber, e bastante consolidado para nele pôr o pé com segurança. Os impacientes, que não sabem esperar o momento propício, comprometem a colheita como comprometem a sorte das batalhas."[4] (grifo nosso)

            E o repetiu, dando outras instruções, na Revista do mês de abril de 1867:


"O Espiritismo ainda não disse a última palavra; longe disso: nem sobre as coisas físicas, nem sobre as coisas espirituais. Muitas das descobertas serão fruto de observações ulteriores. De certo modo o Espiritismo não fez, até agora, senão fincar as primeiras balizas de uma ciência cujo alcance é desconhecido."[5] (grifos nossos)


            Quais as novas descobertas e observações? Estejamos prontos e abertos para recebê-las e analisá-las, criando um ambiente aberto e solidário para que façamos do Espiritismo o que Allan Kardec, junto com os espíritos superiores, direcionaram para ser: uma doutrina consoladora e que realmente avança e se adapta, agrega o que surge de novo no decorrer da estrada evolutiva, abraçando com o crivo da razão, mas sem medo, pois como dito por ele, a base do Espiritismo está nos fatos e, como se sabe, não há como atacar fatos, meticulosamente estudados e comprovados.
            É fato que certas coisas precisam de uma atualização, e talvez o Movimento Espírita o necessite mais do que da própria filosofia. Derrubando certos tabus, colocando em discussão assuntos que não se quer tocar mas que são úteis e mesmo necessários para que a ciência espírita chegue ao maior número de pessoas possível, de maneira educada e singela, como uma mão que afaga e se estende para conhecimentos maiores e consolo, entendimento, esclarecimento e amparo amigo.
           
                                   
            Muita paz a todos!



[1] Hippolyte Léon Denizard Rivail, nome de batismo de Allan Kardec
[2] KARDEC, Allan.  A Gênese. Disponível: http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/A-genese_Guillon.pdf. Acesso em 12/02/2016
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Disponível: http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/136.pdf. Acesso em 12/02/2016
[4] KARDEC, Allan. Revista Espírita de junho de 1865. Disponível: http://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1865.pdf. Acesso em 12/02/2016
[5] KARDEC, Allan. Revista Espírita de abril de 1867. Disponível: http://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1867.pdf. Acesso em 12/02/2016

3 comentários:

  1. Muito bom Claúdio, "Não esqueçamos que o Espiritismo não está acabado; ainda não fez senão fincar balizas. Mas, para avançar com segurança, deve fazê-lo gradualmente, à medida que o terreno estiver preparado para o receber, e bastante consolidado para nele pôr o pé com segurança. Os impacientes, que não sabem esperar o momento propício, comprometem a colheita como comprometem a sorte das batalhas."[4.
    E não esqueçamos que tudo que Kardec observou e comprovou, era em 1857....Pra quem Kardec escrevu? Como era o pensamento naquela época e hoje? Vamos debater....Parabéns Claudio.

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  2. Parabéns Cláudio. O Blog ficou muito bom. Com relação ao tema que você tratou nesse post, considero da maior importância pois se a Doutrina possui caráter progressivo como nos assegurou Kardec, e assim não poderia deixar de ser, pois é também ciência e filosofia e esses dois ramos do saber sempre estiveram sujeitos a um aprimoramento constante. Kardec era um homem da ciência, um positivista, um pedagogo, educador e um intelectual de seu tempo. Acredito que certamente ele nunca imaginou uma doutrina cristalizada em conceitos que fossem imutáveis: isso não é ciência e nem filosofia. Vejo muitas espíritas tentando ser mais kardecistas do que Kardec, ou em outras palavras, trabalham com uma ideia de imutabilidade de certos conceitos, de infalibilidade de alguns pontos. Levado ao extremo, esse tipo de ideia tem produzido a negação das obras de Chico Xavier - André Luiz por exemplo - e todo o trabalho psicográfico maravilhoso do Divaldo. Em outro tipo de leitura não crítica, promove a aceitação incondicional sem pensar mais profundamente os conceitos. Acho que tudo é uma questão de bom senso e principalmente aceitar debater sem receios de ser considerado "herético". Esse termo não faz parte do vocabulário espírita (na sua origem em A. Kardec). Não faz parte da ciência e nem faz parte da filosofia. Parabéns pelo trabalho. Espero podermos debater um pouco aqui. Um grande abraço. José Ronaldo.

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    1. Muito obrigado José Ronaldo
      Suas palavras são de grande valia para mim!
      "herético" --> Essa palavra diz tudo
      Se quiser debater, como dito na resposta à Isabel, o espaço está aberto para tal

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